terça-feira, 9 de agosto de 2016

A mochila


           A jovem atravessou de mansinho o quintal até chegar ao portão que dava para rua, o abriu com suspense de cinema a fim de que um ruído não chamasse a atenção da mãe, que estava lá dentro da casa, na outra ponta. Em gesto silencioso e furtivo atravessou o portão e agachou-se na calçada, onde um amigo a aguardava também agachado. 
             - E então? Perguntou-lhe em voz baixa 
        Ele estendeu-lhe uma mochila em lona impermeável verde, aquelas usadas no exército na década de 70. 
             - Tome. – Disse ele – Tenho duas, te empresto uma. 
          Ela olhou, tomou a mochila, dobrou-a ao máximo que pode, a fim de esconde-la sob a blusa de algodão que vestia. Coração ansioso voltou o olhar reflexivo ao amigo pegando-o pelo braço, aflita, inquiriu-o: 
            - E o que é bom que eu leve nela? 
            O amigo sorrindo brejeiro à dúvida da amiga responde: 
         - Sei lá. Estou levando meias, leve também. Pode ser que esfrie, leve coberta, agasalho; tambem leve peças íntimas, pode ser que queira ou precise.              - Ah, entendi. 
          (pausa) 
            - Por volta das 18 horas, na praça? Isto? 
            - Sim! – Pegou uma pontinha de baseado guardado em uma caixinha de fósforos, ascendeu-o tragando e estendendo-lhe – Este é o melhor horário para sairmos e chegarmos a tempo de pegar o último trem que desce a serra.
          Pegando a ponta de baseado, após tragar e devolve-lo, a amiga comenta sorrindo: 
           - Levarei flautas! 
        Ela aprendera a confeccionar flautas doce em bambu e canos de PVC, sempre tinha algumas prontas. Na bolsa sempre havia uma também, a qualquer momento, de repente, ela costumava tirar uma flauta da bolsa e soprar algo que lhe ocorresse. ‘Stairway to heaven’ era uma de suas favoritas na época, costumava dizer que esta era “excelente para relaxar a mente”. 
        - Que legal! Ahhhh ... isso será ótimo! Aliás, acho que tenho uns chocalhos, se eu achar, levo também. 
        - Massa! Vou nessa, tomar providencias. – levantou-se, encaixou a mochila sob a blusa, e despediu-se ainda – Até mais. Valeu! 
            - Combinado flor. Olha a hora heim! Até mais. Ansiosa, o temor que a mãe lhe descobrisse planejando a viagem de carona, a primeira de sua vida, a enchiam de cuidados, nesse meio entre medo, felicidade e expectativa. 
         A juventude dos nascidos até meados dos anos 60, ainda estavam envolvidos pela atmosfera alternativa, estilo hippie, conceitos beat nick’s. Ainda que os tabus, as leis e os medos ameaçassem os sorrisos livres, ainda assim, a liberdade, a paz, o amor e a fraternidade foram o cotidiano de gerações da transição do pensamento, dos que fugiram dos últimos sopros do convencional, para não sufocarem com os obsoletos e autoritários conceitos sociais, que aos poucos se transformavam. Não havia regras, não havia gerencia, apenas a consciência de ‘ser’. Jovens, intelectuais, artistas e toda a sorte de pessoas se reuniam em bares, calçadas ou praças, batendo papo, falando muito sobre religião, história, música, cultura, literatura e todos os elementos que até então compunham sociedades pelo mundo afora. Tocavam instrumentos, cantavam, faziam artesanato e muitas vezes, dormiam aconchegados por ali mesmo. “Sexo, drogas e rock’n roll” foi um lema surgido em algum lugar para defini-los, mas que não os incomodavam. Momento de muita fertilidade criativa em todos os aspectos e setores. 
              As mentes estavam agora prontas para construir as estruturas de uma vida fraterna e pacífica. 
            A jovem chegou à praça onde aos poucos todos foram chegando; fizeram um apanhado das economias, se puseram a fazer contas e calcularam os valores para apanhar o trem na Estação da Luz que descia a serra para a baixada santista. Lá participariam de um festival de musica na orla da praia que durou três dias. Ao final do festival decidiram continuar pela estrada, vendendo seus artesanatos, conheceram várias pessoas, várias comunidades, fizeram amizades, deixaram e levaram boas lembranças. Tiveram dúvidas, contradições, algumas vezes se dispersaram, se reencontraram mas, sempre com seus lindos sorrisos, dispostos a ouvir, refletir, acrescentar, acolher, conhecer, renovar. “- Os cenários de uma viagem sempre fazem tão bem!”, disse um deles. 
               No retorno a jovem se viu diante da mãe que, a olhava em um rápido silencio pois, ensaiou um sincero e tímido abraço, que estendeu à ela perguntando-lhe um “Tudo bem?!”. Estampava um radiante sorriso!


Assinado: Flauta de Bambu

Pseudônimo usado no concurso 'baseado na estrada' - 50 anos do Movimento Hippie da editora Costelas Felinas , escrito em Maio de 2016.

domingo, 24 de janeiro de 2016

Quem pensa Ama

No mundo quem não trilha
o caminho do Amor
O coração feito estátua
se fecha
E tudo chega, parte e
se perde feito ondas do mar
E só quem oferta o coração
consegue sentir
o frescor da primavera.
.
(texto de D'Xavier C Santinho)

Nota:
No dia 23/01/2016, envolvida talvez pelos acontecimentos tensos do período que estou passando, de qualquer forma acordei cedo, altamente fora do comum, e me deparei com este poema. Li, recolhi, segui a agenda do dia mas, ele me perseguiu insistentemente o dia inteirinho! Por isso especialmente, senti a necessidade do registro. Nem tudo em nosso caminho conseguimos interpretar de imediato.
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sábado, 23 de janeiro de 2016

Trienio desafiador

Estive olhando meu coraçãozinho neste lindo Natal iluminado por uma linda Lua Cheia. Observei que algumas feridas estão praticamente curadas e algumas ficarão com cicatrizes.
2013, 14 e 15 foi muito bacana! Achei melhor fazer um pacote incluindo os 3 anos, pois são situações extensivas e várias igualmente intensas, para o agradável e para o desagradável.
O balanço geral é positivo.
Mas fiquei chateada em ver meu coração ferido. Sou uma pessoa fácil, para me entristecer precisa se esforçar. Pois houveram essas pessoas, que se esforçando me feriram.
....
O peso que isso tem ainda ñ está definido. Mas .... outras coisas tambem me pedem atenção.  ......Só pra registrar.
Constante Novilúnio

Frente & Verso


Alegria gigante aquele dia de 2012 que o carteiro me entregou, direto da Bahia, este cartão postal e claro, fitinhas do Bonfim.