quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

DESEJOS VÃOS


Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o sol, a luz intensa
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!
Mas o mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos céus, os braços, como um crente!
E o sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
.
.
(Florbela Espanca)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

do Miguelito Acosta - Hoje resolvi te escrever uma poesia


Gostaria de ser
O Sol para aquecer
O Luar do seu anoitecer
A Brisa do seu amanhecer
A Morada para te acolher
A Fonte para te dar de beber
O Alimento para te fortalecer
O Teu desejo de obter
O Seu mais belo prazer
A felicidade do seu viver
E fazer parte do seu ser
Isso tudo por você
º
do Miguelito Acosta, amigo orkutiano mui dedicado!

sábado, 11 de fevereiro de 2006

Vendaval



Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!
Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!
Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.
Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles — teu pulso divida
Minh'alma do mundo!
Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
De eu ter que pensar!
Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu penssamento
Para ele morrer?
Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!
E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.
E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!
Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!
Fernando Pessoa

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Papel Marché


Cores do mar,
festa do sol
Vida fazer todo o sonho brilhar
Ser feliz,
no teu colo dormir
E depois acordar
Sendo o seu colorido
Brinquedo de papel marché

Dormir no teu colo é tornar a nascer
Violeta e azul outro ser
Luz do querer
Não vai desbotar, lilás cor do mar
Seda cor de batom
Arco-íris crepon
Nada vai desbotar
João Bosco

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Nossa Truculência


Quando penso na alegria voraz
com que comemos galinha ao molho pardo,
dou-me conta de nossa truculência.
Eu, que seria incapaz de matar uma galinha,
tanto gosto delas vivas
mexendo o pescoço feio
e procurando minhocas.
Deveríamos não comê-las e ao seu sangue?
Nunca.
Nós somos canibais,
é preciso não esquecer.
E respeitar a violência que temos.
E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo,
comeríamos gente com seu sangue.
Minha falta de coragem de matar uma galinha
e no entanto comê-la morta
me confunde, espanta-me,
mas aceito.
A nossa vida é truculenta:
nasce-se com sangue
e com sangue corta-se a união
que é o cordão umbilical.
E quantos morrem com sangue.
É preciso acreditar no sangue
como parte de nossa vida.
A truculência.
É amor também.
Clarice Lispector

De Ernestina


...también los *perrillos comen de las migajas
que caen de la mesa de sus señores.
Mateo 15, 27 CRUZÓ el *perro la calle.
Era el *perrillo aquel de las migajas,
el que espera debajo de la mesa,
el que no tiene nombre
y al que si se extravía
no lo reclama nadie.
Y era el único ser
en tarde de domingo.
-Allá enfrente la ausencia
de ese árbol que daba su verdor
en un sitio imposible.
Y el perro por la acera
seguro y solitario.
¿A dónde iría hoy
en esta hora muerta
sin coches ni autobuses,
con un pasito breve,
voluntarioso, firme?
Una mano invisible
le alisa la pelambre.
Ernestina de Champourcin

Estrela perigosa


Estrela perigosa
Rosto ao vento
Marulho e silêncio
leve porcelana
templo submerso
trigo e vinho
tristeza de coisa vivida
árvores já floresceram
o sal trazido pelo vento
conhecimento por encantação
esqueleto de idéias
ora pro nobis
Decompor a luz
mistério de estrelas
paixão pela exatidão
caça aos vagalumes.
Vagalume é como orvalho
Diálogos que disfarçam conflitos por explodir
Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é
Clarisse Lispector

Sentimentos


" Como o amor,
o apelo da música é universal.
E seus ritmos expressam todas as estações da alma.
O homem não sabe o que diz
o pássaro ou o córrego,
ou as ondas, ou a chuva.
Mas seu coração percebe
misteriosamente
o sentido de todas essas vozes
que hora o alegram, hora o entristecem."
(Gibran).